ICMS – SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA “PARA FRENTE” E A RESTITUIÇÃO PELO FATO GERADOR PRESUMIDO A MAIOR

Na forma do artigo 155, II[1], Constituição Federal, o ICMS é um imposto estadual que incide sobre a circulação de mercadorias, serviço de transporte interestadual e intermunicipal e serviço de telecomunicações.

Suas particularidades constam destacadas na Lei Complementar nº 87/1996, conhecida por Lei Kandir.

Dentre as inúmeras complexidades inerentes a este imposto se destaca a famigerada, substituição tributária.

Inicialmente, a substituição tributária é uma espécie de Responsabilidade Tributária, situação na qual pessoa diferente do contribuinte, assume o seu papel perante a Administração Pública.

Em breve síntese, este fenômeno tributário foi instituído no ordenamento jurídico nacional com a finalidade exclusiva de facilitar a fiscalização e mitigar a sonegação de impostos.

  1. Ex. A facilidade de fiscalização das operações de venda de automóveis diretamente das fábricas frente a complexidade de controlar cada concessionária de veículos em suas vendas no varejo.

Este implemento legal possui duas variações, a substituição progressiva (para frente) e a substituição regressiva (para trás).

A substituição regressiva está concentrada ou ao final da cadeia ou em momento intermediário. É muito utilizada para o controle tributário da área rural. Está tipificada nos arts. 6º e 9º LC 87/96[2].

  1. Ex. Pequenos produtores de leite vendem suas produções para grande industrial. Este é o responsável pelo recolhimento tributário da operação anterior à sua, ou seja, paga pela compra e não pela venda.

Não há fato gerador presumido, apenas o seu diferimento. É valida somente para operação anterior da cadeia produtiva.

Já substituição progressiva, objeto deste artigo, está tipificada no artigo 150, §7º da Constituição[3]. Foi brevemente explicada no exemplo acima, onde a origem da cadeia produtiva é responsável pelo recolhimento dos impostos referentes a toda a cadeia sucessiva.

Abaixo ilustração bem didática.

Uma vez que a origem da cadeia é responsável pelo recolhimento do ICMS das operações comerciais sucessivas, qual será a base de cálculo?

Com relação a sua posição de contribuinte, a base de cálculo, obviamente será o valor de venda do produto ao ator seguinte da cadeia produtiva, mas com relação às operações subseqüentes, como o responsável tributário saberá por quais valores estes produtos serão revendidos?

Este impasse foi solucionado na própria Lei Kandir.

Foi estabelecida uma margem de valor agregado (MVA), à maneira que, a fim de se presumir a base de calculo da operação seguinte, acrescenta-se um percentual especifico sobre o valor da primeira operação, e assim, também incidir a alíquota do ICMS. A estipulação desta margem de valor agregado ficará à cargo da Lei Estadual que estabelecerá seus percentuais de acordo com cada setor de produto a circular.

Após toda explanação da engrenagem da substituição tributária, você deve estar questionando: mas se a operação seguinte, ou a subseqüente não se concretizar? Se o produto comercializado perecer? Se ele for roubado ou furtado? Enriquecerá sem causa o Estado?

O mesmo §7º do artigo 150 da C.F./88 estabelece o direito à restituição do valor pago em razão do fato gerador presumido não concretizado. Ficando assim à cargo da Lei Estadual determinar a forma de comprovação e a efetiva restituição.

Agora você deve estar se perguntando também: mas se o fato gerador seguinte for de valor inferior àquele presumido pela MVA (margem de valor agregado) ?

Este tema já é mais complicado, tendo em vista que a Constituição Federal não tratou especificamente deste tema, deixando assim “o fardo” para o Legislador Estadual que, em muitas vezes se omitiu, fazendo com que o contribuinte, neste caso o responsável tributário na condição de substituto, arcasse com o ônus tributário do fato gerador, não mais presumido, contudo, pelo valor da base de cálculo presumida e não aquela efetivamente praticada na operação comercial.

Em primeiro plano o Supremo Tribunal Federal se manifestou contrario à devolução dos valores referentes à fatos geradores em tese presumidos, ocorridos com valores inferiores aos estabelecidos pela MVA, em decisão na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.851, oriunda do Estado de Alagoas. Em seu fundamento, assim destacou:

o fato gerador presumido, por isso mesmo, não é provisório, mas definitivo, não dando ensejo a  restituição ou complementação do imposto pago, senão, no primeiro caso, hipótese de sua não realização final”

Ou seja, nesta decisão o STF reconheceu como direito de restituição apenas ao fato gerador presumido não concretizado.

Contudo, posteriormente, o STF foi novamente incitado a tratar deste tema, contudo, desta vez através de um Recurso Extraordinário, o RExt nº 593849 de Minas Gerais, em sede de repercussão geral, ou seja, para uniformização de jurisprudência e assim aplicar em casos semelhantes nas instâncias inferiores.

Neste julgamento foi firmado o seguinte entendimento jurisprudencial:

É devida a restituição da diferença do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS pago a mais no regime de substituição tributária para a frente se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida.”

Assim sendo, fica legitimado o substituto tributário a requerer a restituição, na forma do artigo 10 da LC 87/96[4], já que ele suporta o ônus financeiro.

Contudo, mesmo com esta decisão, muitas Fazendas Estaduais não estão adotando esse entendimento. Importante frisar que, por não se tratar de Súmula Vinculante, a Administração Pública não é obrigada a seguir os ditames desta decisão.

Desta forma, para garantir o ressarcimento pelos valores pagos a maior em função do fato gerador, até então presumido, ter sido praticado em valores inferiores àqueles projetados pela MVA, o contribuinte, neste caso o responsável tributário por substituição, deverá ajuizar demanda judicial específica para não somente receber os valores pagos indevidamente, mas também deixar de recolher o tributo em questão, inclusive mediante concessão de decisão liminar, à inteligência do artigo 311, II do CPC[5].

 

[1] Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

 

[2] Art. 6o Lei estadual poderá atribuir a contribuinte do imposto ou a depositário a qualquer título a responsabilidade pelo seu pagamento, hipótese em que assumirá a condição de substituto tributário.

Art. 9º A adoção do regime de substituição tributária em operações interestaduais dependerá de acordo específico celebrado pelos Estados interessados.

 

[3] Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

§ 7º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.

 

[4] Art. 10. É assegurado ao contribuinte substituído o direito à restituição do valor do imposto pago por força da substituição tributária, correspondente ao fato gerador presumido que não se realizar.

 

[5] Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:

II – as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;

 

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